Cartas para a minha futura “eu”
Há muitos caminhos possíveis na vida. Foi por isso que falámos com várias mulheres sobre os motivos que as levaram a congelar os seus ovócitos. Pedimos-lhes ainda que escrevessem uma carta a si próprias, para o futuro, acerca dos seus objetivos pessoais a longo prazo.
Sobre a autora
Maria é uma consultora informática com 37 anos e que trabalha como freelancer. Sendo uma pessoa muito prática por natureza, Maria foi viver para Madrid há cinco anos, juntando-se a amigos que cortar lá moravam e procurando aumentar as hipóteses de encontrar um parceiro. “Viver em Portugal depois de chegares aos 30 pode ser solitário, principalmente quando a maior parte, senão a totalidade dos teus amigos, já está numa relação,” explica. “Uma cidade grande dá-te mais oportunidades não só de conhecer um parceiro, mas também de aumentar a rede de amigos solteiros da tua idade.”
Lembras-te de quão preocupada estavas quando engravidaste do teu primeiro filho, Alex? Claro que houve um choque inicial, mas estavas tão feliz. Depois, começaram as preocupações. Tu e o Miguel estavam juntos há apenas um ano. A ideia de ser pai deixava-o de pé atrás. Será que ele ainda quereria estar contigo?, perguntavas-te. Conseguirias lidar com a situação se acabasses sozinha?
Quero recordar esses momentos de incerteza, porque, agora, aos 47 anos, tens a vida familiar plena que sempre desejaste e que não sabias se estaria ao teu alcance. Tens um filho e duas filhas. São inseparáveis, fazem uma boa equipa. Têm muita cumplicidade e passam os dias entre brincadeiras e jogos. A tua casa é uma verdadeira casa de família: um lugar acolhedor, aconchegante e sempre aberto a amigos e familiares.
Nunca terias tido uma família tão numerosa se não tivesses dedicado recursos físicos e financeiros a estabelecer um plano B para o teu futuro. O Alex e a Laura foram concebidos “à moda antiga”. Mas tiveste a Mariana graças aos valiosos ovócitos que congelaste. Não precisavas do plano B para teres filhos, mas sim para teres o número de filhos que agora tens, a família com que sempre sonhaste. A decisão de congelar ovócitos coincidiu com uma fase má da tua vida, em que te sentias só. Mas foi algo que te deu possibilidades que nunca terias imaginado.
O teu pragmatismo trouxe-te esta bênção. Mas houve outra… com os teus problemas de fertilidade e o processo de colheita de ovócitos, começaste a perceber que há coisas que não podes controlar. Mas a maior lição surgiu da gravidez inesperada e da necessidade de lutar pela vossa relação, antes de qualquer um de vocês estar pronto para ser pai. Apesar de seres uma pessoa perfecionista, habituada a ter sucesso, aprendeste o valor de aceitar e abrir mão do controlo quando é preciso.
É isto que está no centro de uma relação sólida e o principal motivo para terem conseguido a família e a vida doméstica agitada que hoje tens. Bom trabalho, Maria.
Muito entusiasmo para o nosso futuro,
Maria
Leia a sua carta
Querida Maria, agora com 47 anos,
Lembras-te da angústia que sentiste quando, aos 32 anos, descobriste que a tua contagem de ovócitos era baixa, semelhante à de uma mulher de 40 anos? Será que vou ter as mesmas dificuldades para engravidar que a minha irmã teve?, perguntavas-te.
Lembras-te de quão preocupada estavas quando engravidaste do teu primeiro filho, Alex? Claro que houve um choque inicial, mas estavas tão feliz. Depois, começaram as preocupações. Tu e o Miguel estavam juntos há apenas um ano. A ideia de ser pai deixava-o de pé atrás. Será que ele ainda quereria estar contigo?, perguntavas-te. Conseguirias lidar com a situação se acabasses sozinha?
Quero recordar esses momentos de incerteza, porque, agora, aos 47 anos, tens a vida familiar plena que sempre desejaste e que não sabias se estaria ao teu alcance. Tens um filho e duas filhas. São inseparáveis, fazem uma boa equipa. Têm muita cumplicidade e passam os dias entre brincadeiras e jogos. A tua casa é uma verdadeira casa de família: um lugar acolhedor, aconchegante e sempre aberto a amigos e familiares.
Nunca terias tido uma família tão numerosa se não tivesses dedicado recursos físicos e financeiros a estabelecer um plano B para o teu futuro. O Alex e a Laura foram concebidos “à moda antiga”. Mas tiveste a Mariana graças aos valiosos ovócitos que congelaste. Não precisavas do plano B para teres filhos, mas sim para teres o número de filhos que agora tens, a família com que sempre sonhaste. A decisão de congelar ovócitos coincidiu com uma fase má da tua vida, em que te sentias só. Mas foi algo que te deu possibilidades que nunca terias imaginado.
O teu pragmatismo trouxe-te esta bênção. Mas houve outra… com os teus problemas de fertilidade e o processo de colheita de ovócitos, começaste a perceber que há coisas que não podes controlar. Mas a maior lição surgiu da gravidez inesperada e da necessidade de lutar pela vossa relação, antes de qualquer um de vocês estar pronto para ser pai. Apesar de seres uma pessoa perfecionista, habituada a ter sucesso, aprendeste o valor de aceitar e abrir mão do controlo quando é preciso.
É isto que está no centro de uma relação sólida e o principal motivo para terem conseguido a família e a vida doméstica agitada que hoje tens. Bom trabalho, Maria.
Muito entusiasmo para o nosso futuro,
Maria
Sobre a autora
Elisa é uma ginecologista que vive no Porto e tem o seu emprego de sonho num centro de fertilidade. Teve a sorte de acabar o curso precisamente na altura em que o centro abriu. O que faz pelas suas doentes permite-lhe desempenhar um papel muito especial na medicina.
Tomaste algumas decisões muito difíceis para chegares onde chegaste. Depois de acabares o curso, decidiste ficar no Porto, onde fizeste a especialidade. Tiveste de te separar da tua terra natal, da tua família e do teu namorado da altura.
Os anos que se seguiram foram ainda mais difíceis. Apesar de estares feliz com o teu emprego, tomaste más decisões, tiveste azar nas tuas relações e perdeste a confiança em ti própria. Preocupava-te a possibilidade de poderes nunca vir a ter uma relação feliz a longo prazo.
Sentias-te um pouco perdida, mas tinhas uma ideia clara em relação a um assunto importante: a tua fertilidade. O teu emprego mostrou-te que a fertilidade não é eterna. Assistias ao sofrimento de algumas das tuas doentes por não conseguirem engravidar. Por isso, aos 33 anos, decidiste congelar os teus ovócitos. Sentiste-te logo mais segura. Sabias que, desta forma, terias mais flexibilidade para escolher o melhor momento para ter filhos.
Foi uma decisão corajosa. Três anos mais tarde, aos 36 anos, tomaste uma segunda decisão corajosa, quando te encontravas a passar por uma fase menos boa. Decidiste romper com o passado e começar de novo, procurando melhorar a tua vida. Foi o nascimento do teu sobrinho, Lourenço, que te levou a tomar esta decisão radical. A chegada do bebé inspirou-te a ser a melhor tia que ele poderia ter. Era por ele que precisavas de te manter saudável e lúcida. Deste-te conta de que precisavas de apoio psicológico e procuraste tratamento.
A maior lição que aprendeste nessa fase é muito importante e continua a influenciar a tua vida, até hoje: Deves tomar as tuas próprias decisões, sem estares dependente de mais ninguém. Não tens de justificar estas decisões a ninguém e não precisas da aprovação dos outros.
Foi nesse ano que decidiste congelar mais ovócitos. E agora, aos 45, vê só onde chegaste. Conseguiste fazer o percurso que desejavas. Conseguiste conjugar uma carreira fantástica com a tua vida familiar, na altura que, para ti, fazia sentido. E hoje? Aos 9 anos e meio, o teu sobrinho é companheiro de aventuras dos teus filhos, o que teria sido impossível se não tivesses aprendido a ser fiel a ti própria e aos teus sonhos.
Orgulhosa por tudo o que alcançaste,
Elisa
Leia a sua carta
Querida Elisa,
Escrevo esta carta à nossa “eu” de 45 anos, daqui a 8 anos. Imagino-te no parque, a rir e a brincar com a tua filha de cinco anos e o teu filho de três. Vejo-te como uma mulher corajosa e moderna, com uma profissão que dá vida, e que adoras e uma família que tiveste a perspicácia de preparar.
Tomaste algumas decisões muito difíceis para chegares onde chegaste. Depois de acabares o curso, decidiste ficar no Porto, onde fizeste a especialidade. Tiveste de te separar da tua terra natal, da tua família e do teu namorado da altura.
Os anos que se seguiram foram ainda mais difíceis. Apesar de estares feliz com o teu emprego, tomaste más decisões, tiveste azar nas tuas relações e perdeste a confiança em ti própria. Preocupava-te a possibilidade de poderes nunca vir a ter uma relação feliz a longo prazo.
Sentias-te um pouco perdida, mas tinhas uma ideia clara em relação a um assunto importante: a tua fertilidade. O teu emprego mostrou-te que a fertilidade não é eterna. Assistias ao sofrimento de algumas das tuas doentes por não conseguirem engravidar. Por isso, aos 33 anos, decidiste congelar os teus ovócitos. Sentiste-te logo mais segura. Sabias que, desta forma, terias mais flexibilidade para escolher o melhor momento para ter filhos.
Foi uma decisão corajosa. Três anos mais tarde, aos 36 anos, tomaste uma segunda decisão corajosa, quando te encontravas a passar por uma fase menos boa. Decidiste romper com o passado e começar de novo, procurando melhorar a tua vida. Foi o nascimento do teu sobrinho, Lourenço, que te levou a tomar esta decisão radical. A chegada do bebé inspirou-te a ser a melhor tia que ele poderia ter. Era por ele que precisavas de te manter saudável e lúcida. Deste-te conta de que precisavas de apoio psicológico e procuraste tratamento.
A maior lição que aprendeste nessa fase é muito importante e continua a influenciar a tua vida, até hoje: Deves tomar as tuas próprias decisões, sem estares dependente de mais ninguém. Não tens de justificar estas decisões a ninguém e não precisas da aprovação dos outros.
Foi nesse ano que decidiste congelar mais ovócitos. E agora, aos 45, vê só onde chegaste. Conseguiste fazer o percurso que desejavas. Conseguiste conjugar uma carreira fantástica com a tua vida familiar, na altura que, para ti, fazia sentido. E hoje? Aos 9 anos e meio, o teu sobrinho é companheiro de aventuras dos teus filhos, o que teria sido impossível se não tivesses aprendido a ser fiel a ti própria e aos teus sonhos.
Orgulhosa por tudo o que alcançaste,
Elisa